O aumento da dependência por substâncias, ou das drogas propriamente ditas, tanto as lícitas como as ilícitas, estão cada vez mais visíveis na sociedade atual. A bem da verdade, estamos progressivamente ligados a uma busca por prazer e, mesmo sem perceber, inserimos em nossa rotina o consumo de algumas substâncias que podem parecer muitas vezes inofensivas, que podem estar sendo compradas no mercado, e a longo prazo causam um estado de submissão do indivíduo.

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O Dia Nacional de Combate às Drogas e Alcoolismo é celebrado na próxima segunda-feira, dia 20 de fevereiro. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dependência em drogas lícitas ou ilícitas é uma doença e um problema de saúde pública que deve ter atenção de todos os países. Aproveitando a data, o Tribuna de Itapira foi em busca de um relato verdadeiro e sincero sobre o tema, com objetivo de alertar e conscientizar a população sobre os impactos que o uso de substâncias e o álcool geram.

Nosso entrevistado é o Conselheiro Terapêutico Pleno Hospitalar em Dependência Química, atuante no Bairral, e colunista social, Antônio Carlos de Souza Arruda, 60, mais conhecido como Tonny Arruda. Além de atuar profissionalmente na área, Tonny tem uma história de vida de muita luta contra a dependência química e abordou diversos temas na entrevista.

Segundo detalhou, um dos pontos fundamentais para um dependente se tratar é a aceitação pessoal de que está passando por um problema. “Um dos pontos que agente mais trabalha com os pacientes é a aceitação. É o primeiro passo para um processo de tratamento porque temos que conscientizar a pessoa de que ela possui uma doença e a dependência química, hoje tratada como transtorno por uso de substância. Temos que conscientizar a pessoa de que ela tem uma doença incurável progressiva e fatal, o que assusta muito. Um grande número de pessoas ainda veem na droga uma maneira de diversão e prazer e essa questão você tem lá no início, enquanto não tem a doença. A pessoa usa, programa o dia, como em uma festa, mas quando a gente começa a entrar no uso e cada vez mais vamos criando tolerância à substância, então tem que aumentar a dose para ter o efeito anterior. Mas ai que é a armadilha, que acaba tornando a pessoa dependente da droga e é ela que vai escolher o dia e hora de uso a partir desse momento. Chamamos de perder o controle, que é quando se entra no transtorno”, explicou.

Um dos pontos em que a aceitação é difícil é o fato da pessoa ter que se privar de algumas situações enquanto que outras estão consumindo, por exemplo, um copo de cerveja. “A aceitação é difícil, é um entrave, como aceitar que o meu prazer é uma doença, principalmente com relação ao álcool. Todas são extremamente nocivas, o álcool e o tabaco são as mais preocupantes por serem lícitas. O álcool é droga também, mas ele é cultural, ele está nos momentos de lazer e comemoração das pessoas. Então é difícil a pessoa ter a informação de que não pode beber, quando outras pessoas estão bebendo, um familiar, um amigo, em um final de semana”.

A mudança na rotina é um grande desafio, pois muitas coisas, as vezes situações simples, podem ser um gatilho para uma recaída. “A doença não tem cura mais ela é passível de ser tratada. Ela sempre vai estar adormecida, qualquer coisa que se faça que a memória eufórica acorda e lembra, a gente volta para o mesmo ritmo. Temos o exemplo da vela: quando acendemos uma vela, ela vai queimando, se eu paro ela apaga, mas se eu volta a usar, não começa lá de cima e sim de onde parou, o prejuízo está lá. A aceitação é o primeiro passo para a pessoa compreender e ter consciência de que é uma doença e precisa de tratamento”.

COMPORTAMENTO

“Quando comecei meu tratamento tive 12 internações, sendo uma de um ano e meio. Eu aceitei o fato de que tinha uma doença, cheguei a ficar longos períodos de abstinência. Aceitar é um primeiro passo, agora eu tenho que aceitar a mudança de comportamento. Porque a recuperação não é só parar de usar, é uma mudança radical de vida, então vou ter que parar de frequentar lugares que antes eu ia, que são gatilhos, pessoas, hábitos. Então existem momentos, de comemoração e celebração, que as pessoas vão beber e é difícil aceitar que você não pode. Foi isso que acontecia comigo, eu aceitava a doença e achava que iria ter controle sobre ela quando saísse da clínica, mas não é bem assim. Queremos acreditar que podemos controlar, então isso pra mim foi muito complicado, tantos retornos às clinicas, cheguei a ficar sete anos limpo, me cuidei, fui fazer psicologia, estava dentro do grupo de apoio”.

“Então com sete anos limpo, decidi que iria sair. Tinha um grupo de pessoas que havia conhecido e começamos a ir em barzinho com som ao vivo. Não poderia pois isso seria um gatilho. Então no primeiro dia eu tomei um refrigerante, depois no outro foi um chopp, ai foram dois, e quando eu cheguei em um dia e tomei cinco foi o momento que peguei e fui atrás da minha substância. Realmente acendeu a memória eufórica com tudo e fui atrás da cocaína. Ai foram mais quatro internações. É complicado porque vem a frustação, que é um ponto muito forte nos dependentes químicos, quando algo não dá certo a gente tem dificuldade de trabalhar e acaba voltando para o uso, porque vê como um fracasso. Isso vira uma cultura de volta a instituição, pois é um ambiente sem droga, seguro, conseguimos ser proativos”, relatou Tonny.

HOJE

Com o passar do tempo, o uso das drogas foram se modificando e “novidades” foram ficando à disposição. O público consumidor e a forma de se aderir a um tratamento também passou por alterações. “As substancias mudaram. Teve o álcool, maconha, LSD, cocaína, crack e ai o que acabou causando uma grande mudança foram as drogas sintéticas, começando com o ecstasy, e ai começaram a vir outras, muitos tipos, e a droga sintética é muito perigosa. Hoje temos muito modelos de tratamento e felizmente as pessoas procuram. As famílias também aceitam que existe o problema e a doença e que algo precisa ser feito”.

“É muito complicado hoje com essa oferta de substâncias a pessoa conseguir parar por conta própria. É preciso ter o distanciamento do uso, processo de desintoxicação em um ambiente fechado e de tratamento. No Bairral trabalhamos com conscientização, motivação, prevenção a recaída, um tratamento completo. A dificuldade e problema de hoje são as diversas faixas etárias. O público jovem que chegou na época das festas e baladas não aceita a internação, é o que chamamos de fase do namoro, ainda tá legal pra pessoa o uso da droga, não teve muito prejuízo, ela acha que para na hora que quer, é a negação”.

“Estão sendo realizadas muitas internações involuntárias hoje em dia e temos também a modalidade compulsória, quando a pessoa está muito exposta ao perigo e expondo outras e, de uma forma judicial, o juiz determina a internação. Muitas pessoas que chegam de forma involuntária acabam aderindo, aceitando e descobrindo que tem um problema. Outros passam em negação total, é uma pré-contemplação, a pessoa não consegue ver que a droga é um problema”, explicou.

ENTRADA

Muito se fala de qual seria a porta de entrada para o uso das drogas e isso envolve a questão das lícitas, mas também pela procura de prazer por parte da pessoa. “Sobre a porta de entrada das drogas, o cigarro acredito que nem tanto, pode até ter, mas o álcool agente começa cedo. Hoje pessoas com 13 anos já estão bebendo. Essa questão da porta de entrada é que na verdade as pessoas começam com uma substância procurando um nível de prazer, mas chega um momento que ela já não se satisfaz. Ai alguém chega ou a pessoa vai atrás querendo algo mais forte. As pessoas vão migrando nessa busca e acabam no final se concentrando em uma substância”.

“A questão do tabaco, nas instituições sérias, elas não liberam o cigarro, é dado o apoio do chiclete, adesivos e medicação para o controle da ansiedade. Só que a indústria do álcool e do cigarro dominam, então nunca vai ser algo proibido. Assim como das drogas ilegais, com os lucros do tráfico de drogas. Agente pensa, será que não vai haver nunca um remédio que irá curar a dependência? Pode até existir, mas ele está lá trancadinho”.

TRATAMENTO

Itapira possui diversas maneiras de uma pessoa iniciar um tratamento. Além da rede particular e grupos de apoio, o município conta com o maior instituto de psiquiatria da América Latina, o Bairral, que possui centenas de leitos disponíveis através do SUS.

“Hoje, praticamente a maioria das instituições são particulares, mas em Itapira é muito fácil, nós temos o Bairral, o prédio do SUS que oferece 800 leitos, não existe um lugar que possui essa disponibilidade, claro que para diversos tipos de patologia, mas para a dependência química são muitos. A pessoa deve procurar o Hospital Municipal, falar do seu problema e dizer que quer uma internação. Porém, para segurar a vaga, a pessoa tem que permanecer lá, esperando surgir uma, para então ser encaminhada. Existe também a fazenda Santa Carlota, que também tem relação com o Bairral e possui vagas, maioria do SUS. No Hospital é garantido, mas tem que esperar”.

“Temos também aqui em Itapira os grupos de apoio. O Narcóticos Anônimos funciona no Lar São José com reuniões segundas, quintas e sábados das 20 às 22 horas. A pessoa pode ir lá que será acolhida. Alcoólicos Anônimos, às segundas e quartas no mesmo horário, na Igreja Menino Jesus de Praga, na Rua 24 de outubro. Nos Prados, na Matriz, temos o Amor Exigente, que também dá um apoio à família que, infelizmente, também adoece pela situação do parente”.

“Isso tudo começa com um pedido de ajuda. Primeiro a pessoa deve reconhecer, não necessariamente a doença, mas pelo menos o problema, nem que seja através de algum familiar, que pontue que a pessoa não está bem, não está legal e incentive procurar um psiquiatra e um psicólogo. A prevenção primária precisa ser realizada em Itapira, de chegar antes da experimentação da substância e trabalhar com faixas etárias mais jovens, é uma tentativa de conscientizar”, concluiu.

Tonny Arruda é Conselheiro Terapêutico Pleno Hospitalar em Dependência Química – Tribuna

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