Itapira apareceu em uma lista de 210 municípios em que foram localizados uma mistura de 27 tipos diferentes de agrotóxicos em amostras de água, incluindo as do Ribeirão da Penha. As informações são resultado de um cruzamento de dados realizado pela ONG Repórter Brasil a partir de informações do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde, com testes feitos em 2022.
A situação ganhou destaque na cidade após pronunciamento no pequeno expediente da sessão da Câmara Municipal do dia 19 por parte do vereador Leandro Sartori (PSOL) que protocolou um requerimento de informação cobrando uma posição da Prefeitura e do SAAE a respeito da situação apresentada pelos testes. A reportagem do Tribuna de Itapira foi a fundo nesse tema para apurar a situação, tendo em vista que praticamente toda a população da cidade é abastecida com as águas do Ribeirão da Penha.
Coquetel
O Tribuna teve acesso a um documento que mostra, de maneira bem detalhada, as análises feitas em amostras de água coletadas em 2022 em todos os meses do ano, exceto dezembro, em diversas regiões de Itapira, como o ponto de captação de água no Ribeirão da Penha, poços artesianos de Barão Ataliba Nogueira e Eleutério, Rio Manso e até em locais particulares, como clubes de campos e empresas.
O arquivo possui quase mil linhas de dados mostrando os locais e as substâncias encontradas nas amostras de água. Cabe destacar que todos os exames identificaram uma concentração dentro do limite considerado seguro pelo Ministério da Saúde para cada tipo de substância isoladamente. Ou seja, a simples presença de cada agrotóxico em uma amostra não necessariamente acarreta problemas para a saúde.
Porém, é justamente a grande mistura de substâncias (27 tipos diferentes) que preocupa especialistas, o chamado “efeito coquetel”, o que não se sabe quais consequências de danos à saúde podem acarretar para as pessoas.
Enquanto a União Europeia impõe um limite para a presença de diferentes substâncias na água, o risco da mistura é ignorado pela normativa do Ministério da Saúde. A pasta teve a chance de regular essa questão em 2021, quando a nova Portaria de Potabilidade da Água foi aprovada, mas tratou apenas dos limites individuais. O principal argumento é a dificuldade em calcular os efeitos causados pelas diferentes combinações de substâncias químicas na água.
A situação atingiu alguns municípios próximos de Itapira, como Mogi Mirim, Mogi Guaçu, Amparo e Jacutinga. Outras cidades como Poços de Caldas, Campinas, Vinhedo, Espírito Santo do Pinhal, Limeira e Pirassununga também apareceram na lista com amostras contendo 27 substâncias químicas na água distribuída. São Paulo foi o estado que liderou a estatística, com 128 cidades, seguido por Minas Gerais com 23 e Santa Catariana com 12 municípios.
Vereador
Contatado pela reportagem, Sartori disse que ações devem ser tomadas com relação à situação. No seu ponto de vista, não adianta se atentar para realizar o tratamento da água apenas, mas sim verificar como essas substâncias estão presentes no Ribeirão e inibir a situação.
“Os agrotóxicos chegam na água de alguma forma. Em algum momento, antes da estação de captação de água, eles estão contaminando as águas do rio. É necessário descobrir como e onde isso está ocorrendo para que seja evitado. Eu não duvido da qualidade do trabalho do SAAE, mas acredito que seja melhor prevenir essa situação do que depois ter que se mobilizar para retirar a substância da água durante o tratamento”, disse o vereador.
SAAE
O Tribuna realizou uma visita ao SAAE para verificar como a autarquia analisava os dados apresentados e foi recepcionado pelo Presidente, Carlos Vitório Boretti de Ornellas, e pelo Químico Responsável, José Rubens da Silva.
Assim como detalhou Silva, todo o trabalho realizado no tratamento e posterior distribuição de água para a população segue as determinações do Ministério da Saúde, sendo realizadas análises da água mensalmente e uma completa, abrangendo centenas de itens, de forma semestral.
“Todos esses dados são enviados diretamente para a plataforma do Sisagua. Local de coleta, que ocorre em toda a cidade, e as análises das amostras. Somente com relação a agrotóxicos, são 30 verificados nos testes mensais” explicou. O Responsável Químico do SAAE ainda destacou que, a própria Vigilância Sanitária também faz a verificação de amostras e fiscaliza os resultados apresentados pela autarquia.
“O Ministério da Saúde não diz que não pode ter as substâncias, mas sim que deve haver um limite. Caso uma análise mostre que algo passou do máximo permitido, existe um tratamento específico a ser feito na água para cada agrotóxico”, falou Silva, apresentando para a reportagem um documento da última coleta e análise realizada e com todos os itens abaixo do limite considerado seguro, destacando que algumas verificações da água são feitas de hora em hora na autarquia.
A respeito do “coquetel”, Silva explicou que o Ministério da Saúde que deve determinar qual a situação de risco e que o SAAE atua para que os índices estejam dentro do permitido antes que seja feita a distribuição da água. “Podem ocorrer situações isoladas e não sistemáticas. Em uma ocorrência de chuva forte, ela pode levar substâncias para o rio em um momento e, depois, elas não estarem mais presentes. Isso ocorre também como situações de turbidez da água e presença de coliformes fecais.
Assim como apurado pela reportagem junto aos profissionais, desde a nascente do Ribeirão da Penha em Serra Negra, o SAAE realiza coleta da água em sete pontos antes da captação em Itapira. “A água que distribuímos para a população de Itapira está dentro dos parâmetros exigidos pelo Ministério da Saúde. Temos um sistema completo de análise, operamos 24 horas por dia e distribuímos cerca de 750 mil metros cúbicos de água mensalmente no município”, frisou o Presidente do SAAE, Vitório Ornellas.
SAMA
Como os produtores rurais utilizam de substâncias para controle de doenças e bom crescimento da lavoura e, levando em consideração o questionamento sobre fiscalização de propriedades, o Tribuna também foi conversar com a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Itapira.
Em contato com o Biólogo responsável pela pasta, Anderson Martelli, foi informado de forma categórica que “quem faz a fiscalização sobre o uso de agrotóxico em propriedades rurais produtoras é a Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo e todo revendedor de substâncias deve ter o Receituário Agronômico para uso do agrotóxico por parte do produtor”.
Martelli destacou que a SAMA possui uma preocupação constante com relação ao uso de agrotóxicos e que a pasta se mantém atenta com situações irregulares e com denúncias, realizando investigação e autuação.
“Se observamos uma situação de anormalidade ou recebermos uma denúncia, como por exemplo, presença de água estranha em cursos de rio, vamos atrás, investigamos e, se necessário fazemos autuação. Esse ano inclusive realizamos a campanha que teve o objetivo de recolher embalagens de agrotóxicos dos pequenos produtores. Foram mais de 1.200 coletadas. Isso evita o descarte irregular e, por consequência, a contaminação do solo e água”, explicou.
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