A guerra entre Rússia e Ucrânia se tornou pauta no mundo todo. Apesar de um conflito restrito ao leste europeu, as nações ao entorno do globo sentem os efeitos da escalada russa contra o território vizinho. Um dos países que mais sentem essa pressão é a Alemanha, pela grande dependência de gás ofertado à Europa pelo país comandado por Vladimir Putin. Itapirenses que vivem no país germânico contam como tem sido esses dias de conflito.

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A reportagem conversou com o engenheiro Helio Evilazio Moino, 67, que vive Heidenheim, e com a estudante Jessica Batista de Moraes, 29, que mora em Nuremberga. As cidades são vizinhas e estão há aproximadamente 550 quilômetros da capital Berlim e 1,8 mil quilômetros de Kiev. Como a União Europeia tem respondido em base de sanções econômicas à Russia, os dois entrevistados comentaram sobre a alta de preços em produtos do dia a dia, como o combustível. Além disso, retratam a chegada de refugiados e um clima de incertezas, envolvendo principalmente a área econômica, e o fornecimento de gás.

Jornal Tribuna – Como está o dia a dia onde você mora? Existe alguma instrução específica levando em conta a guerra?

Jéssica: Por enquanto as pessoas estão seguindo normalmente suas vidas na Alemanha. Indo para seus trabalhos, estudando, mantendo a rotina. No entanto, diversos protestos e mobilizações contra a guerra na Ucrânia estão acontecendo por toda Alemanha, inclusive na cidade onde eu moro. Levando em conta que em torno de 55% do gás que é usado na Alemanha vem da Rússia, está sendo sugerido por exemplo, que os moradores diminuam o uso do aquecedor em suas residências.

Hélio: Aqui no sul da Alemanha praticamente não existe nenhuma alteração. Todo mundo trabalhando e vivendo da mesma forma que se fazia antes do início deste conflito. A mudança maior que se observou na mídia local foi a redução quase a zero à atenção com a COVID-19 e passou a abordar excessivamente o assunto “Guerra – Russia vs. Ucrania”. Claro que nas conversas diárias entre colegas e amigos existe uma forte indignação e surpresa de como uma invasão brutal desta natureza está acontecendo neste momento na Europa. Ações como esta entendia-se ser coisa do passado, como na década de 30 do século passado, que a população da Europa estava sob forte recessão econômica e fome, durante o início da Segunda Guerra Mundial. Em outras palavras, ninguém consegue entender uma invasão brutal, e ameaças pela forca nos dias e condições de hoje. Claro também que percebendo iniciativas como estas numa era de armas nucleares, toda preocupação e cuidado se justifica.

Qual o maior temor que você percebe existir onde vive? Consequências econômicas? Aumento de preços de produtos ligados à petróleo e gás?

Jessica: A Alemanha tem uma história muito triste relacionada com guerra, e por já terem vivido isso no passado. As pessoas temem que isso possa acontecer novamente e são contra a guerra. Vejo que os alemães estão preocupados que a guerra se expanda para países que até o momento estão neutros e isso possa fazer com que a guerra que hoje é entre Ucrânia e Rússia possa avançar para os outros países. Com relação à economia, a Alemanha já está sendo afetada. Por exemplo, a Volkswagen está temporariamente com sua produção reduzida, pois não está recebendo diversos materiais que vinham da Ucrânia. A Alemanha produz e consome muitos pães, e desde o começo da guerra na Ucrânia, já se notou um aumento no preço deste produto e também no preço do macarrão. Eu saí da Alemanha no dia 24 de fevereiro (está em férias em Itapira) mesmo dia da invasão na Ucrânia. Há cerca de duas semanas a gasolina estava em torno de 1,70€ litro e agora já está custando de 2,25€ até 2,30€. Além disso, o Diesel que sempre foi mais barato que a gasolina, está custando agora cerca de 2,30€ o litro. Pessoas já estão optando pelo transporte público e bicicleta ao invés de usarem seus veículos. Além do mais, o preço do gás já está sendo reajustado, e poderá chegar ao dobro do que era cobrado há duas semanas.

Hélio: A curto prazo, sem dúvida a maior preocupação é a escalada de preços devido a redução de ofertas das commodities em consequência das sanções já impostas. A Rússia é a grande fornecedora de óleo e gás para a Europa (30% da gasolina/diesel e 40 % do gás natural). Também devido à proximidade entre o fornecimento e consumo, essa energia tem um custo de logística bastante competitiva (Gasoduto Nord Stream). Como exemplo, há dois dias aqui na Alemanha, o litro de Diesel estava sendo vendido na bomba a 1,65€ e hoje estamos pagando 2,30€. A médio prazo a preocupação seria o corte do fornecimento do gás natural liquefeito (GNL) por parte da Rússia como retaliação ou resposta às sanções impostas pela UE (União Europeia), e isso afetaria drasticamente a indústria alemã. Felizmente o inverno está terminando por aqui e o sistema de aquecimento domiciliar passa ser uma preocupação futura. A longo prazo a preocupação são os ‘novos’ impostos a ser implementados pelo governo para compensar os custos extraordinários oriundos da Guerra (comodities, migração, etc.). Sobre acidentes ou armas nucleares, entendo não ser ainda o momento oportuno para suposições ou comentários

O governo chegou a dar alguma orientação?

Jessica: Até o momento a única orientação do governo para a população é referente a implementação de novo sistema de aquecimento. Foi dito para as pessoas planejarem mudar de sistema de aquecimento, para que elas procurem por alternativas diferente ao sistema a gás. Referente a importações e exportações entre Alemanha e Rússia, até o momento os negócios entre os países continuam normal.

Hélio: Não, não existe um conjunto de instruções de procedimento. O governo tem apenas solicitado a todos os alemães que estejam na Rússia ou Ucrânia que retorne imediatamente para casa (Alemanha). Devido as sanções já implantadas, viagens de negócios para a Rússia também deixaram de ser necessárias ou possíveis. Temos negócios por lá (estamos construindo uma usina hidrelétrica de grande porte) que estão sendo bruscamente congelados devido as sanções. O que temos observado e que além dos alemães, milhares de Ucranianos (na maioria idosos, mulheres e crianças) estão chegando em Berlim onde estão sendo recebidos, alimentados e assistidos para posteriormente serem transferidos para cidades da Alemanha, que ainda possam comportar imigrações. A Alemanha recebeu uma quantidade significativa de refugiados da Síria recentemente). A Alemanha está fazendo um trabalho de ação humanitária excepcional neste momento.

Fique à vontade para contar qualquer experiência sobre o assunto que não tenha sido abordado nas questões anteriores.

Jéssica: Com todos os rumores que a Alemanha possa ficar sem gás, meu sogro chegou a comprar um aquecedor elétrico como precaução caso o gás seja cortado. Pois apesar de estarmos quase entrando na primavera, as temperaturas ainda estão negativas a noite. Além disso, Ucranianos estão chegando na cidade onde eu moro (Nürnberg) e também no interior da Alemanha (Ellwangen) onde meus sogros moram. Em algumas cidades na Alemanha existem habitações para refugiados e pessoas que procuram por asilo no país. Agora essas habitações estão sendo usadas para receber também ucranianos, principalmente mulheres e crianças. Daqui alguns dias eu volto para a Alemanha e acredito que encontrarei um país com preços reajustados e muito provavelmente um país com um clima de tensão, se nenhum acordo for fechado entre Rússia e Ucrânia.

Hélio: Como mencionado, no plano econômico (grande impacto na indústria) a maior preocupação seria a possível interrupção do fornecimento de gás natural russo, do qual a Europa depende. Devido a isso, a União Europeia está trabalhando forte para diminuir a dependência energética da Rússia. Não é de hoje que a Alemanha está acelerando o uso de energias renováveis (hidráulica, eólica e solar) para substituir o gás natural no aquecimento e na geração de energia. No outro lado desta equação, a Alemanha também está incentivando fortemente a aquisição de veículos elétricos e investindo bastante em eletropostos para infraestrutura de recarga.

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