Quanto tempo pode durar uma amizade? Essa pergunta com pegada filosófica pode parecer incômoda para muitas pessoas nos dias atuais, dada a toxidade da polarização que deixou o terreno político para se impregnar em todos os setores da sociedade brasileira. Mas não para um grupo de amigos aqui de Itapira.
No sábado, 08 de outubro, o grupo autointitulado “Os Paralelos do Ritmo” (nascido de uma roda de samba) se reuniu em uma propriedade na zona rural da cidade para assinalar 50 anos de encontros agendados para “jogar conversa fora”, falando de assuntos triviais como música, futebol, gastronomia e é claro, até política, tema o qual, prudentemente, os organizadores fixaram como sendo proibido na festa dos 50 anos, quando participaram 33 pessoas, incluindo as esposas.
José Humberto Marcati, o Nino, do Colégio Anglo, um dos organizadores, relatou que o encontro produziu momentos de muita emoção devido ao fato de alguns participantes terem tomado outros rumos na vida. “O primeiro grande desafio foi levantar os nomes e os contatos daqueles que participaram das nossas rodas de samba. Muitos se mudaram outras cidades para morar e trabalhar”, colocou.
Esse foi o caso do aposentado Paulo Pugina, radicado na capital paulista há mais de 40 anos e que a muito tempo não se correspondia com os amigos. Entusiasmado, propôs que o encontro seja realizado uma vez por mês, ao invés de duas edições anuais mantidas como compromisso inadiável pelos colegas.
Núcleo
Manter os encontros durante tantos anos, sem “dar furo”, não tem sido tarefa das mais fáceis, que acaba sendo facilitada pela existência de um núcleo original constituído por Antônio Carlos Guerreiro (Guega), Antônio Carlos Marcati (Carlinhos), Carlos Henrique Maciel (Surica), João Batista Bacchin, Julio Cruz (Beba), José Humberto Marcati (Nino), Zoroastro Marcos Viola e Wilson Breda,
A origem de tudo guarda relação com um tempo inesquecível a partir do final da década de 1960 e início dos anos 1970 de uma movimentada Praça Bernardino de Campos, que marcou a juventude destes senhores. “Nós nos reuníamos para uma boa conversa nos bares da época, em especial, no Bar do Edifício (andar térreo do edifício da Praça Bernardino) para curtir a boa música brasileira, nos locais onde era permitido. Com o passar dos anos, outros amigos foram sendo incorporados”, contextualizou Nino Marcati.
O advogado Wilson Breda, de 66 anos, “o mais novo da turma”, conforme faz questão de frisar, define a existência do grupo de amigos como sendo “Um privilégio”. Didática e eloquentemente, afirmou que não é somente o fator temporal que reflete a importância dos encontros regulares ao longo de tantos anos, mas “A essência da reciprocidade em ouvir e ser ouvido. Isso não existe mais em lugar nenhum”, destacou.
O engenheiro Carlinhos Marcati conta que as conversas são sempre muito prazerosas e que a longevidade dos encontros se tornou espécie de ata atemporal das transformações da cidade, do Brasil e do mundo ao longo de meio século. O Tribuna de Itapira quis saber dele como enxergou a “censura” a conversas de natureza política e, diplomaticamente, disse que a decisão foi sábia. “Até mesmo em função da convivência que possuímos, sabemos a posição que cada um externa com relação às suas preferências de natureza política. O bom senso recomenda, em nome da boa convivência, que cada um se abstenha em fazer proselitismo de suas posições”, ponderou.
Decano do grupo Zoroastro Viola, 71, também preferiu um registro saudosista, associando boas amizades a boas lembranças. “Tem sido algo emocionante. O cultivo da amizade é esperança, uma sequência repleta de boas recordações”, compartilhou. Já Antônio Carlos Guerreiro, o Guega, fez uma oportuna intervenção ao associar a longevidade do grupo ao processo natural de maturidade pelo qual os seus integrantes passaram ao longo de tantos anos. “Nosso grupo não se declara nostálgico, mas se posiciona como exemplo de pessoas que souberam como poucas, atravessar a adolescência construindo e mantendo uma amizade que tem se prolongado por meio século e que desta forma vai continuar”.
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